“Vai aumentar a visibilidade”, acrescentou, por seu lado, a terapeuta da fala Jaqueline Carmona (docente da Escola Superior de Saúde do Alcoitão (ESSA) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa). Se “a comunidade passar a ter outra perspetiva” sobre a gaguez, isso irá beneficiar a qualidade de vida das crianças e dos adultos, mas principalmente dos jovens: “Ser adolescente com gaguez é uma grande prova de fogo”.
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Gagos reconhecem que eleição de Joacine os põe no mapa
A deputada eleita por Lisboa pelo partido Livre, Joacine Katar Moreira
Foto: ANDRÉ KOSTERS/LUSA
Pedro Pires, de 51 anos, não se lembra de quando começou a gaguejar. A alteração do ritmo da fala manifestou-se em tenra idade, mas só no Ensino Básico, “aos seis, sete anos” é que se apercebeu de que tinha um problema.
Técnico superior na área da documentação, é um dos 70 a 100 mil portugueses afetados pela perturbação da comunicação, que agora ganha maior visibilidade com a entrada para o Parlamento de Joacine Katar Moreira, que também tem este problema.
“Pensamos que tem dado um grande contributo para pôr a gaguez na ordem do dia e será com certeza uma interlocutora privilegiada”, adiantou ao JN José Carlos Domingues, presidente da Associação Portuguesa de Gagos (APG) sobre a eleição da deputada do Livre.
“Vai aumentar a visibilidade”, acrescentou, por seu lado, a terapeuta da fala Jaqueline Carmona. Se “a comunidade passar a ter outra perspetiva” sobre a gaguez, isso irá beneficiar a qualidade de vida das crianças e dos adultos, mas principalmente dos jovens: “Ser adolescente com gaguez é uma grande prova de fogo”.
Um terço ultrapassa problema
De acordo com a terapeuta, 5% a 8% das crianças entre os dois anos e meio e os cinco anos apresentam problemas na fala. Mas só um terço é que acaba por conseguir ultrapassá-los. No entanto, alerta a especialista, os profissionais de saúde dizem aos pais para esperar seis meses “a ver se passa”.
“Quando há suspeita de diabetes, ninguém vai para casa sem orientações”, frisou. Há fatores de risco a que os pais devem estar alerta – como a hereditariedade ou quatro repetições de uma palavra com muita frequência – e também comportamentos que não devem ter, como dizer para respirarem ou terem calma.
“Uma das nossas linhas de ação é divulgar informação junto dos profissionais de saúde relativamente à gaguez. A intervenção ou a avaliação precoce é fundamental para o sucesso da terapia”, adiantou o presidente da APG, que lamentou a falta de terapeutas da fala no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Não temos números, mas o feedback que recebemos é de que a cobertura é pouca”.
Mais tempo para falar
A falta de legislação que permita, por exemplo, uma tolerância no tempo na apresentação de trabalhos e provas de exame (segundo Jaqueline Carmona, a Irlanda tem uma lei do séc. XVII que dá mais tempo às pessoas com gaguez) é uma das falhas mais sentidas. “Estão à mercê da vontade e do bom senso dos professores”, sublinhou a terapeuta.
E esta também foi uma das dificuldades sentidas por Pedro Pires, durante o seu percurso académico. As piores coisas que atualmente lhe podem fazer, e tendo noção de que não é por mal, é quando lhe tentam “acabar as frases”. “Como às vezes não articulo as palavras tão rápido, não consigo que me deem a devida atenção em conversas de grupo”.
As limitações que se preveem nas intervenções de Joacine Moreira no hemiciclo levaram, entretanto, o Livre a anunciar que vai pedir ao próximo presidente da Assembleia da República mais tempo do que o regulamentar. Medida que Pedro Pires considera poder ter “lógica”, apesar de não gostar que os que sofrem de gaguez sejam “tratados como coitadinhos”.
“Faz todo o sentido que se implementem medidas que permitam aos eleitos focarem-se no conteúdo” que pretendem transmitir, garantiu José Carlos Domingues, lembrando que na legislatura agora a terminar foram colocadas rampas de acesso para um deputado deficiente motor (Jorge Falcato, do Bloco de Esquerda).
Nervosismo e stresse não causam gaguez – O nervosismo é a causa da gaguez? Errado, a gaguez não tem origem no nervosismo, nem no stresse, nem nasce por causa de um susto ou qualquer tipo de trauma. As causas da gaguez são genéticas, neurológicas e psicossociais.
Milhões de gagos – Mais de 68 milhões de pessoas no Mundo têm gaguez, ou seja, 1% da população. Em Portugal estima-se que haja 70 a 100 mil pessoas com gaguez.
Afeta mais homens – A gaguez afeta mais o sexo masculino: o rácio é de quatro homens para uma mulher.
Mário Laginha, pianista
Mário Laginha
Foto: Bruno Raposo / Global Imagens
Desde os três anos que tem esta perturbação, mas nunca lhe deu importância. Até porque só se nota mais quando fala mais depressa.
Maria João Seixas, jornalista e escritora
Maria João Seixas
Sofre de gaguez desde a infância, o que não a impediu de apresentar programas de televisão.
James Rodriguez, futebolista
James Rodriguez
Foto: EPA/Fernando Alvarado
O jogador do Real Madrid abriu uma guerra entre o “The Sun” e a imprensa colombiana (onde nasceu) por os britânicos terem gozado com a sua gaguez.
Andrew Duff, antigo eurodeputado britânico
Andrew Duff
Eurodeputado entre 1999 e 2014, não deixou que a gaguez o impedisse de discursar no Parlamento Europeu.